Queria mesmo era ter trocado figurinhas

Esses dias eu estava conversando com a Letícia sobre como deve ser maravilhoso ser rica a ponto de entrar na Zara Home e saber que pode comprar qualquer coisa. Ela fez uma cara de quem realmente desejava estar lá. Quem me dera. Ter dinheiro pra comprar edredons de 800,00 do mesmo jeito que eu tenho dinheiro pra comprar bom-bons. 

Mas aí, essa semana também eu recebi uma álbum de figurinhas da minha sogra, da promoção do Pão de Açúcar, com quase todas as figurinhas pra colar. Achei que seria super divertido, mas ter que passar mais de uma hora só colando adesivo foi um saco. Não teve a menor graça porque eu já tinha todas, eu só tinha que colar logo, então não tinha a mínima emoção de "ai achei a figurinha top que faltava"... Ter tudo à disposição não só tomou meu tempo como se tornou totalmente sem sentido. 

É que nem maratonar uma série: a gente perde tempo e não sente a animação de esperar o próximo episódio. Tipo, enquanto a segunda temporada de Westworld não lançava, eu e o Arthur ficamos um ano inteiro criando teorias iradas para o que podia acontecer. Quando a gente tava assistindo O Conto da Aia era uma preparação religiosa e divertida no domingo pra ver a Elizabeth Moss dar seu show. Mas quando a gente maratonou Freaks and Geeks, ou Atlanta, depois de três episódios seguidos a gente se sentia mufino e olhar pra tela era um suplício. 

Claro que não dá pra sustentar minha teoria de que ter recursos demais tem seu lado negativo, sem parecer que to só querendo justificar minha pobreza. Mas não estou falando de dinheiro, estou falando de qualquer coisa a que temos acesso descontrolado e que tiram o sentido das coisas. Que nem o Sem Rosto comendo tudo aquilo sem nenhuma razão aparente. Sem nem saber se era bom. 

E aqui entram milhares de filosofias minimalistas que eu tanto gosto, de que o pouco nos faz mais criativos, mais espertos, mais ligados às coisas importantes.

A coleção que não vira lixo

Tenho uma tia que possui uma pasta já destruída pela quantidade de coisas que está dentro dela. É uma pasta catálogo, daquelas com saquinhos, em que ela colocou estudos sobre educação, pedagogia, infância, psicologia e tudo mais. Tem também testes e atividades infantis que vez ou outra ela usa com seus pacientes.

Provavelmente o que me chama mais a atenção nessa pasta que ela fez é que demonstra, fisicamente, uma pequena parte de tudo que ela já leu. E a forma destroçada, grande e pesada da pasta é ainda mais impactante porque ela não tem apenas uma pasta cheia de estudos sobre o que ela gosta e trabalha, mas é uma pasta que não aguentou a quantidade de material dentro dela e precisou se expandir. Eu adoro a ideia de expansão, acredito que devemos sempre nos expandir e nunca definhar ou permanecermos na mesma forma, acredito que temos a chance de irmos além.

Há a possibilidade de ela ter colocado na pasta textos para ler depois. Mas eu tenho certeza que não, seu vocabulário rico, sua maneira ágil de pensar e a forma sagaz com que ela interpreta tudo além do que se apresenta, me faz ter certeza que ela não nasceu sendo essa mulher inteligentíssima que admiro muito. Ela mesma se moldou. E gosto de olhar pra pasta porque consigo vê-la lendo algo, achando o máximo e colocando na pasta.

Armazenar roupas, itens decorativos, coleções, objetos de entretenimento ou até arquivos no computador parece sufocante hoje em dia, porque a internet nos mostra que a quantidade de coisas a que temos acesso não significa nada, porque se não usamos não serve para nada. No entanto, quando lemos ou estudamos é como se o conhecimento não fosse uma série de arquivos guardados no depósito do nosso cérebro, mas um amontoado de células que forma quem nós somos. Eu tenho certo pavor em guardar coisas demais, objetos guardados me dão uma sensação péssima de que eu só estou estragando esse planeta tão lindo que amo. Mas a ideia de armazenar os estudos e opiniões de outras pessoas que tenham contribuído para a formação de quem eu sou e de como eu penso (e me torne também capaz de realizar estudos e tecer opiniões), é realmente fascinante.

Não é como uma pasta cheia de documentos que eu jamais vou precisar que só servirão para encantamento das gerações futuras (o que não é de todo ruim), mas é uma pasta única especial que alguém preencheu com textos conforme eles iam ensinando-a.

Não é emocionante ver alguém fazer citações? Ou fazer conexões e relações de assuntos aparentemente distintos? Porque provavelmente um texto que está no começo da pasta pode fazer total sentido, ou mudado completamente, depois da leitura do que está lá no meio.